Conjuntivite por neisseria gonorrhoea em menina prepubere um dilema
violência sexual ou transmissão não sexual?
Palavras-chave:
Neisseria gonorrhoeae, conjuntivite, transmissão de doença infecciosa, delitos sexuais, estupro, criançaResumo
As infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) são um problema de saúde pública global e com frequência deixam sequelas se não diagnosticadas e tratadas adequadamente. A infecção por Neisseria gonorrhoeae (NG) é uma das ISTs mais prevalentes em todo o mundo e, recentemente, tem apresentado crescentes taxas de incidência, além de resistência a antimicrobianos. Após o período neonatal, a infecção por NG na infância pode ser uma evidência de violência sexual (VS), no entanto a comprovação da violência é um desafio na prática clínica. Objetivo: Apresentar um caso de conjuntivite por NG em uma menina pré-púbere e discutir as possíveis vias de contaminação e implicações médicas forenses. Relato de caso: Trata-se de uma criança caucasiana de 7 anos de idade do sexo feminino, estudante, procedente de São Paulo, que, após uma internação, foi encaminhada ao Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual (NAVIS) para investigação de violência sexual, em setembro de 2013. Na admissão intra-hospitalar, houve relato de hiperemia ocular direita, iniciada havia 10 dias, sem resposta ao tratamento com colírio de tobramicina. Antecedentes pessoais: nada digno de nota. Ela morava com a mãe e a avó e visitava o pai a cada duas semanas. Os exames físico e ginecológico foram normais. Exame oftalmológico: olho esquerdo — nada digno de nota. Olho direito — edema palpebral, hiperemia conjuntival com exsudato purulento e perfuração da córnea superior. A bacterioscopia de secreção conjuntival foi positiva para diplococos gram-negativos e a NG foi isolada em cultura. A paciente foi submetida a sutura cirúrgica de perfuração do olho direito e, enquanto internada, recebeu 1 g de ceftriaxona endovenoso por dia, por um período de 10 dias. Durante a investigação no ambulatório de NAVIS, a mãe negou qualquer episódio de VS ou mudança de comportamento escolar. Foi oferecida assistência psicológica e social à criança e à mãe por mais de seis meses, mas a VS não pôde ser caracterizada. A investigação de IST para o HIV, infecções por hepatite B e C e sífilis resultou negativa. Com base na literatura, a hipótese de transmissão não sexual acidental de NG intrafamiliar foi então considerada. As secreções genitais da mãe (endocervical, vaginal e uretral) foram coletadas e o isolamento endocervical da NG produtora por betalactamase foi positivo. Medidas de higiene e isolamento de contato foram recomendados, além ser prescrito o tratamento com ceftriaxona em dose única de 1g para a mãe. Durante o acompanhamento, a criança desenvolveu opacidade corneana em seu olho direito. Conclusão: Em crianças pré-púberes que apresentam manifestações clínicas incomuns, as ISTs devem sempre ser consideradas e investigadas para permitir o tratamento imediato e assim evitar sequelas. Se uma infecção gonocócica for diagnosticada, a possibilidade de (VS) deve ser minuciosamente investigada, de preferência com uma abordagem multidisciplinar abrangente para descartar a contaminação não sexual e evitar danos emocionais à criança e à sua família. Definir com precisão se houve VS e propor intervenções adequadas nessas circunstâncias mostra-se um desafio para os profissionais de saúde.